Qual o limite para vítima de violência doméstica?
Há dezoito anos trabalhando e
estudando sobre violências contra as mulheres e ainda fico estarrecida com maldade
do homem agressor. E não foi diferente com o caso da Delegada de Polícia
Juliana Domingues e do Tenente-coronel da Polícia Militar Carlos Eduardo da
Costa, ambos do Rio de Janeiro, noticiado no último dia 01.09, em rede nacional.
Entre os anos de 2021 e 2022
Juliana Domingues foi vítima de violência doméstica do então marido, o
Tenente-coronel Carlos Eduardo da Costa. Eram agressões físicas, psicológicas e
sexuais. Agredida com cintadas em que era obrigada a contar, socos na face na
presença de seus filhos, ameaças e exposições para que vizinhos soubessem que
passava por “correção”, ou seja, que era violentada, e constantes estupros.
Isso tudo ocorria quando Juliana atuava na Delegacia de Defesa da Mulher, isto
é, todo santo dia ela atendia mulheres por violências que ela mesma vivia. Por
este motivo, o agressor ainda debochava “Eu bato na delegada da DEAM. E o que
você vai fazer?” Agora imaginem como ficou o psicológico desta delegada!
Todas as sobreviventes têm um limite!
A reação da delegada veio após o
último episódio de estupro marital, seguida pela conclusão de que tudo aquilo
estava afetando seus filhos.
“Quando eu comecei a ver que o
que estava acontecendo comigo estava atingindo os meus filhos, isso me tocou
muito. Eu sabia que estava no relacionamento abusivo, eu sabia o que eu estava
passando, só que não conseguia tomar nenhuma atitude, por medo, por vergonha,
por falta de coragem.”
Este caso me provocou diversas
reflexões. Primeiro, o desafio em mostrar que a discriminação às mulheres
existe e sua presença em todas as relações humanas, em que veem as mulheres menos
capaz que o homem, simplesmente por ser mulher.
A violência doméstica e familiar é
uma das manifestações desta discriminação, e ela é real, não é um discurso feminista
sem sentido, portanto devendo receber a devida atenção. E aqueles que resistem em
reconhecer sua existência, que fazem discursos vazios e falsos, muitos são os
que praticam a violência contra mulheres, com perfeita atuação de bom
companheiro.
Outra reflexão, é a inexistência
da reprovação social ao agressor e seus atos, demonstrando que ainda há grande
aceitação e tolerância com a violência contra as mulheres. Por isso, muitas
mulheres se sentem culpadas pela violência sofrida e demoram ou não buscam
ajuda, enquanto isso, elas estão literalmente sendo destruídas. Muitas pessoas
escondem seu preconceito e o que realmente pensam. Eu prefiro os lobos
declarados.
Essa tolerância deixa o homem
agressor muito à vontade com sua vítima, se sentindo dono da mulher e autorizado
a aplicar a “correção” e expor isso, aliás este termo pejorativo já foi objeto
de estudo em minhas pesquisas, citada por militares estaduais justamente para
se referir as ocorrências de violência doméstica.
Ou seja, não bastou agredir,
precisou ostentar sua violência, talvez para uma autoconfirmação de seu frágil caráter
“mostrando quem manda em casa”, já que estava casado com uma delegada, que
socialmente é considerada como mulher de personalidade forte e, em tese, não
submissa ao marido.
Isso é uma vergonha para
delegada? Não! “A vergonha deve mudar de lado!!” O demérito é do agressor,
principalmente por ele exercer uma importante função em que deveria ser o primeiro
a cumprir a lei.
Para vítima, sua coragem em expor
a violência sofrida significa dividir sua história, encorajando outras mulheres
a denunciarem.
Denunciem, uma vida digna e sem
violência é possível.
Emirella Martins
