sexta-feira, 20 de setembro de 2024

 Qual o limite para vítima de violência doméstica?

 

Juliana Domingues

Há dezoito anos trabalhando e estudando sobre violências contra as mulheres e ainda fico estarrecida com maldade do homem agressor. E não foi diferente com o caso da Delegada de Polícia Juliana Domingues e do Tenente-coronel da Polícia Militar Carlos Eduardo da Costa, ambos do Rio de Janeiro, noticiado no último dia 01.09, em rede nacional.

 

Entre os anos de 2021 e 2022 Juliana Domingues foi vítima de violência doméstica do então marido, o Tenente-coronel Carlos Eduardo da Costa. Eram agressões físicas, psicológicas e sexuais. Agredida com cintadas em que era obrigada a contar, socos na face na presença de seus filhos, ameaças e exposições para que vizinhos soubessem que passava por “correção”, ou seja, que era violentada, e constantes estupros. Isso tudo ocorria quando Juliana atuava na Delegacia de Defesa da Mulher, isto é, todo santo dia ela atendia mulheres por violências que ela mesma vivia. Por este motivo, o agressor ainda debochava “Eu bato na delegada da DEAM. E o que você vai fazer?” Agora imaginem como ficou o psicológico desta delegada!

 

Todas as sobreviventes têm um limite!

A reação da delegada veio após o último episódio de estupro marital, seguida pela conclusão de que tudo aquilo estava afetando seus filhos.

“Quando eu comecei a ver que o que estava acontecendo comigo estava atingindo os meus filhos, isso me tocou muito. Eu sabia que estava no relacionamento abusivo, eu sabia o que eu estava passando, só que não conseguia tomar nenhuma atitude, por medo, por vergonha, por falta de coragem.”

 

Este caso me provocou diversas reflexões. Primeiro, o desafio em mostrar que a discriminação às mulheres existe e sua presença em todas as relações humanas, em que veem as mulheres menos capaz que o homem, simplesmente por ser mulher.

A violência doméstica e familiar é uma das manifestações desta discriminação, e ela é real, não é um discurso feminista sem sentido, portanto devendo receber a devida atenção. E aqueles que resistem em reconhecer sua existência, que fazem discursos vazios e falsos, muitos são os que praticam a violência contra mulheres, com perfeita atuação de bom companheiro.

 

Outra reflexão, é a inexistência da reprovação social ao agressor e seus atos, demonstrando que ainda há grande aceitação e tolerância com a violência contra as mulheres. Por isso, muitas mulheres se sentem culpadas pela violência sofrida e demoram ou não buscam ajuda, enquanto isso, elas estão literalmente sendo destruídas. Muitas pessoas escondem seu preconceito e o que realmente pensam. Eu prefiro os lobos declarados.

 

Essa tolerância deixa o homem agressor muito à vontade com sua vítima, se sentindo dono da mulher e autorizado a aplicar a “correção” e expor isso, aliás este termo pejorativo já foi objeto de estudo em minhas pesquisas, citada por militares estaduais justamente para se referir as ocorrências de violência doméstica.

 

Ou seja, não bastou agredir, precisou ostentar sua violência, talvez para uma autoconfirmação de seu frágil caráter “mostrando quem manda em casa”, já que estava casado com uma delegada, que socialmente é considerada como mulher de personalidade forte e, em tese, não submissa ao marido.

 

Isso é uma vergonha para delegada? Não! “A vergonha deve mudar de lado!!” O demérito é do agressor, principalmente por ele exercer uma importante função em que deveria ser o primeiro a cumprir a lei.

Para vítima, sua coragem em expor a violência sofrida significa dividir sua história, encorajando outras mulheres a denunciarem.


Denunciem, uma vida digna e sem violência é possível.


Emirella Martins

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